quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Gramática sem decoreba Primeiro, as aulas eram só teoria. Depois, redação, leitura e nenhum conceito. Mas hoje se sabe como ensinar a estrutura da língua, de forma prática, para que os alunos escrevam melhor

Há anos se fala de uma concepção diferente do ensino de gramática, mas pouca coisa mudou.O professor sabe que decorar regras e ler a gramática (que deve ser usada só para consulta) não funcionam. Isso porque somente o estudo teórico não leva ninguém a falar, ler e escrever melhor.Como muitos educadores ainda não descobriram outra forma de abordar o tema, simplesmente o deixam de lado. O resultado é que o conteúdo praticamente desapareceu da sala de aula. 

Essa parte da língua foi relegada porque se acreditava que ela não dava competência para redigir bem. "Nos anos 1990, essa idéia começou a ser questionada", observa Kátia Lomba Brakling, uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa de 1ª a 4ª série e de 5ª a 8ª. "Tudo o que se vê nos programas de leitura mostrou que esse é mais um dos componentes a ser abordado quando se fala em reflexão sobre a língua." 

Existe uma enorme dificuldade em inovar a didática nesse campo. A constatação é de Artur Gomes de Morais, do Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco, que fez uma pesquisa sobre o tema em 2002. Ele pretendia verificar o que se realizava em classe com as séries iniciais do Ensino Fundamental em relação às novas orientações para o desenvolvimento do conteúdo. 

Foram entrevistadas 12 professoras de 3ª e 4ª série da rede pública municipal do Recife.Apesar de se esforçarem, Morais verificou que elas mantinham um pé na inovação e outro no convencional. O que chamam de gramática contextualizada, em geral, são aulas sobre nomenclatura e classificações, só que travestidas porque se baseiam em um texto.Ainda hoje estamos longe do desejável,mas vêm ocorrendo algumas inovações. Um caminho interessante é desvendar com a garotada a intenção do autor ao escolher determinada forma de escrever, como faz o professor Perón Rios, da Escola de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (leia o quadro). 

Ana Silvia Moço Aparício, da Universidade de Campinas, chegou a conclusões semelhantes às de Morais em estudo feito com dez educadoras de 5ª a 8ª série da rede pública de Penápolis (SP). "Elas diziam inovar nessa área, mas privilegiavam a leitura e a escrita e os conteúdos vistos continuavam sendo as categorias tradicionais, como substantivos, adjetivos e preposições, usando o texto como pretexto."



Aos professores...Um grande desafio!

Ensinar a gramática de acordo com as novas orientações é um grande nó para quem leciona Língua Portuguesa. "As aulas de gramática normativa, baseadas só em fatos da língua-padrão, não têm sentido para a garotada", admite Irene Tamaki Uematsu Harasawa, que leciona há 26 anos. Há sete, ao ingressar no Colégio Sidarta, em Cotia, na Grande São Paulo, ela mergulhou em um novo jeito de desenvolver o conteúdo. Para dar conta do desafio, faz muitos cursos. "Quando o estudante é estimulado a refletir sobre a língua, ele vai longe. Precisamos saber responder às questões."

Suas aulas para turmas de 6ª série se baseiam em diversos gêneros e na análise das escolhas lingüísticas feitas pelo autor para construir os sentidos desejados. Ao apresentar o poema O Homem; as Viagens, de Carlos Drummond de Andrade (publicado no livro As Impurezas do Branco) ela instigou a turma, primeiro, a pensar na pontuação. "Por que o autor utilizou ponto-e-vírgula no título?" Um garoto respondeu que o ponto-e-vírgula é uma pausa maior e daria a impressão de uma viagem que se alonga. Assim, os alunos analisaram as escolhas lingüísticas do autor e concluíram que são características da poesia.

Como analisa produções de gêneros variados, a turma de Irene percebe a grande variação de recursos. Para sistematizar os conceitos gramaticais, ela destaca algumas frases e, em vez de começar colocando as definição no quadro-negro - como fazia no passado -, dá diversos exemplos e provoca os jovens para que construam o conceito. "Na etapa final, confrontamos as definições deles com a do livro." Com esse processo, os estudantes refletem sobre as possibilidades de uso de determinadas palavras e realizam diferentes atividades para sistematizar o conhecimento.

NOVA ESCOLA ed. abril, 2007.

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